Folha de São Paulo
A DeCode Genetics, a empresa pioneira em biotecnologia que usou a população da Islândia como cobaia para procurar mutações causadoras de doenças, entrou com um pedido de falência anteontem.
O fracasso da empresa sugere que a promessa de aplicações médicas para o genoma humano está levando mais tempo do que seus patrocinadores esperavam. Baseada em Reykjavik, a companhia foi fundada por Kári Stefansson, neurocientista que trabalhara na Universidade de Chicago e em Harvard.
Com a sequência do genoma humano completada em 2003, Stefansson logo se deu conta de que os excelentes registros médicos da Islândia, combinados com a informação genealógica disponível sobre sua população homogênea, consistiam uma ótima plataforma de testes para procurar as raízes de doenças geneticamente complexas, como câncer e diabetes.
Logo a DeCode se tornou a líder mundial na corrida para identificar as causas de doenças de origem comum. Cientistas da empresa descobriram mutações ligadas à esquizofrenia, cardiopatias, diabetes, câncer de próstata e outras. Sua estratégia era identificar as mutações primeiro em islandeses para depois tentar confirmá-las em outras populações.
Independentemente de qualquer erro da DeCode em sua estratégia de negócios, porém, a principal razão para sua derrocada foi científica – a natureza genética de doenças acabou se revelando muito mais complexa do que se imaginava.
Muitos pesquisadores esperavam que um punhado de mutações genéticas poderia explicar a maioria dos casos de qualquer grande doença. Mas ficou claro que as mutações que a DeCode e outros detectaram em cada doença são só uma fração pequena da incidência geral.
A seleção natural parece ser mais eficiente do que se achava em livrar a população de genes perigosos, mesmo aqueles que agem depois do fim da idade reprodutiva. Isso indica que milhares de diferentes mutações, cada uma delas muito rara, são as prováveis culpadas. E, por serem raras, elas são extremamente difíceis de achar.
As mutações que a DeCode achou para cada doença importante eram responsáveis por um número de casos pequeno demais para justificar a criação de drogas ou diagnósticos.
Ciência x negócios
A falência agora afeta a DeCode Genetics, empresa-mãe baseada nos Estados Unidos que controla a contraparte islandesa, a Íslensk Erfagreining. Esta, por sua vez, será leiloada e, a depender de seus novos donos, continuará caçando genes.
"Não é um dia feliz, mas seria pior se a operação em genética fosse descontinuada", disse Edward Farmer, porta-voz da DeCode. A descoberta de que doenças importantes não têm um padrão simples de causa genética foi um revés para a genômica como um todo, e cientistas avaliam como seguir agora.
"A DeCode teve muito sucesso usando estudos de associação que abrangem todo o genoma, e foi uma das primeiras a publicar muitas descobertas", disse David Altshuler, geneticista médico do Hospital Geral de Massachusetts. Ele discorda que a falência seja uma derrota do Projeto Genoma Humano. "Seria errado atribuir conexão entre a promessa médica do genoma humano e o grau de sucesso do modelo