No dia 17 de outubro, comemora-se o Dia Nacional de Vacinação. Nos últimos anos, o Brasil teve grandes avanços no campo da imunização. Segundo o Ministério da Saúde, são 300 milhões de doses das vacinas incluídas no Calendário Nacional. Entretanto, as notícias veiculadas na grande imprensa nos últimos meses têm causado apreensão às autoridades públicas de saúde, ao meio farmacêutico e à própria população.
Em agosto, a GSK divulgou um comunicado informando que doenças eliminadas ou com baixa circulação no Brasil, como sarampo, difteria e poliomielite, voltam a ser motivo de preocupação. De acordo com o Ministério da Saúde, as baixas coberturas vacinais, principalmente em crianças menores de cinco anos de idade, acenderam um alerta no País. Diversas vacinas estão disponíveis gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas o alcance está abaixo do recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
O sarampo havia sido eliminado de circulação, porém, desde fevereiro deste ano, devido à baixa cobertura vacinal, há diversos casos da doença sendo registrados no Amazonas e em Roraima. Até agosto, foram confirmados cerca de 1,3 mil casos no Amazonas e mais de 7 mil estão em investigação. Em Roraima, 300 casos foram confirmados e 74 ainda em investigação, até o fechamento desta reportagem, em meados de setembro. Além disso, alguns casos foram confirmados também em São Paulo (2), Rio de Janeiro (18), Rio Grande do Sul (18), Rondônia (2), Pernambuco (4) e Pará (2).
Outras doenças já neutralizadas, como poliomielite e doença pneumocócica, têm risco de ressurgimento. A primeira, conhecida como paralisia infantil, está com a cobertura vacinal abaixo de 50% em 312 municípios brasileiros. A segunda, uma das principais causas de morbidade e mortalidade em todo o mundo, de acordo com o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), atingiu uma cobertura vacinal de 85% no esquema primário e de 74% na dose de reforço, em 2017, apesar de a vacina ser gratuita nos postos de saúde para crianças menores de cinco anos. Em 2016, essa cobertura foi mais alta: 95% e 84%, respectivamente.
Outros países já passaram por situação semelhante. Os Estados Unidos, em 2013, sofreram um forte impacto por negligenciar a vacinação. O país chegou a ter mais de 48 mil casos de coqueluche, de acordo com o Centers for Disease Control and Preventi. E recentemente a imprensa divulgou que mais de 41 mil crianças e adultos foram infectados com sarampo nos primeiros seis meses de 2018 na Europa, segundo a OMS, um número maior que o verificado em todos os outros anos desta década.
“Embora haja vacinas disponíveis para algumas das doenças citadas acima, como dengue, sarampo e febre amarela, a população, infelizmente, não busca a vacinação. A redução da cobertura vacinal coloca toda a população em risco. Não tínhamos casos de sarampo no Brasil desde o ano 2000”, comentou, em nota, a Sanofi Pasteur.
Falta educação em saúde
Em janeiro deste ano, a GSK Vacinas divulgou um estudo internacional encomendado por ela ao Instituto Ipsos MORI. Os resultados da pesquisa mostram que 15% dos adultos acreditam que as vacinas são recomendadas somente para crianças e/ou bebês e 21% consideram a vacinação apenas para fins de viagem.
Entre os seis mil adultos acima de 18 anos entrevistados no Brasil, na Alemanha, na Índia, na Itália e nos Estados Unidos, 3 em cada 10 reportaram não ter tomado nenhuma vacina potencialmente relevante para esta faixa etária nos últimos cinco anos. E 60% dos adultos disseram não receber informações da saúde pública sobre a importância da vacinação nessa faixa etária.
Dados da pesquisa apontam que, quando perguntados sobre o porquê de não estarem em dia com a vacinação, as pessoas mencionam a falta de recomendação e/ou discussão com profissionais de saúde sobre a necessidade da imunização na fase adulta. Os entrevistados afirmaram que diversas fontes de informação seriam úteis para ajudá-los a entender, registrar e monitorar as vacinas que possam ser relevantes nesta faixa etária.
Mais recentemente, à falta de informação juntou-se o medo das pessoas em tomar vacinas. Matérias falsas, popularmente conhecidas como fake news, circularam pela internet noticiando que “vacinas são mortais”, que “matam milhares” e que “vacinar é risco para as crianças”, gerando ainda mais insegurança na população.
Esses ataques às vacinas têm se tornado um problema de saúde pública. A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) lançou um material contendo mitos e verdades sobre as vacinas, numa tentativa de frear os ataques e esclarecer a população.
“A vacinação ao longo da vida pode ajudar a proteger e contribuir para o bem-estar das famílias e comunidades,” diz Thomas Breuer, diretor Médico da GSK Vaccines Global. “A pesquisa nos mostra que os adultos precisam de mais informação sobre as vacinas relevantes para esta faixa etária para que possam ser mais proativos na discussão de suas necessidades de imunização com os profissionais de saúde.”
Oportunidade para farmácias
É preciso reverter esse quadro, convencer pais, familiares e cuidadores de que a vacinação é o caminho mais seguro e eficaz para a prevenção. Nesse contexto, farmácias e drogarias têm um papel relevante: o de mobilizar seus profissionais de saúde para essa missão. Educação em Saúde, atualmente, é a principal via de acesso à informação.
As portas se abriram para isso quando a Lei Federal 13.021/2014 definiu a farmácia como estabelecimento de saúde e quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou a Resolução RDC 197/2017, autorizando o serviço de vacinação em farmácias e drogarias.
Além dessas duas normas, a farmácia deve observar também os requisitos exigidos pela Resolução 654 e pela Portaria 49, ambas publicadas em 2018 pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), que tratam, respectivamente, dos requisitos para a prestação desse serviço por farmacêuticos e do credenciamento para curso de formação complementar necessário a esse profissional. Importante citar a Nota Técnica GRECS/GGTES número 1, de 2018, da Anvisa, que esclarece diversos pontos sobre a RDC 197.
Segundo a Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), o Brasil já possui mais de 1,6 mil salas farmacêuticas, das quais mais de 900 já oferecem serviços avançados, como aferição de pressão, medição dos níveis de colesterol, revisão da medicação e imunização.
No Estado do Rio de Janeiro, o serviço de vacinação já está regulamentado pelas Vigilâncias Sanitárias de Duque de Caxias e da capital, nesta última, porém, algumas exigências burocráticas têm dificultado a implantação do serviço.
Segundo o diretor farmacêutico da Franquia Smart Consulta, Guilherme Torres, farmácias e drogarias que possuem consultórios farmacêuticos obtêm melhor e maior assertividade na venda de vacinas devido à prevenção e à conscientização realizadas a partir de consultas farmacêuticas. Torres informou que cerca de 38,23% dos consultórios implantados no último semestre de 2018 tiveram a procura pelo serviço de vacinação voltada ao calendário de vacinação do SUS.
Segundo Torres, para a implantação de salas de vacinas, o gestor precisa ter consciência de que deverá trabalhar arduamente na conscientização da população, mantendo uma equipe especializada e com respaldo legal, além de atender a todas as conformidades para arquivamento de cada atendimento e armazenamento das vacinas.
Para a farmacêutica integrante do Grupo Técnico sobre Vacinação do CFF, Beatriz Lott, com a inclusão das farmácias no rol de estabelecimentos que podem vacinar, será mais fácil encontrar esse serviço nas proximidades das residências e do trabalho das pessoas. “Dos diversos estabelecimentos de saúde disponíveis à população, a farmácia é o mais acessado. Adultos e idosos, que frequentam regularmente suas farmácias de confiança, poderão ser orientados pelo farmacêutico sobre benefícios e riscos da vacinação”, destaca.
De acordo com Beatriz, o profissional, desde que qualificado, poderá identificar as demandas vacinais e tirar dúvidas relativas aos temores tão controversos que rodeiam este tema. “Essa oportunidade de contato, de orientação pelo farmacêutico, na minha opinião, é o principal benefício que as farmácias têm para oferecer”, acrescenta.
Avanços no Brasil
O Programa Nacional de Vacinação (PNI) do Brasil é um dos mais adiantados do mundo. “O Brasil é reconhecido internacionalmente como sendo o país com um dos mais completos programas de imunização disponibilizado para população e além de excelentes coberturas vacinais”, pontua o diretor da Divisão de Ensaios Clínicos e Farmacovigilância do Instituto Butantan, Alexander Roberto Precioso.
O orçamento do PNI, em 2010, era de R$ 761,1 milhões, passando para R$ 4,5 bilhões, em 2017. Além disso, o Ministério da Saúde disse que vem ampliando, ano a ano, a oferta de vacinas disponibilizadas. “Nos últimos anos, foram realizadas várias incorporações, inclusive com a ampliação da faixa-etária e, no caso da febre amarela, ampliação para regiões que não ofertavam a vacina na rotina. Toda essa logística de ampliação impacta diretamente no quantitativo de vacinas adquiridas pelo Ministério da Saúde que, assim como os recursos, vem crescendo nos últimos anos.”
Um exemplo é a vacina da gripe (Influenza) que, até 2010, era ofertada apenas para idosos, mas desde 2011 vem tendo seu público-alvo ampliado sistematicamente, atingindo, neste ano, 54,4 milhões de pessoas.
A incorporação da vacina contra HPV, em 2014, para meninas de 11 a 13 anos teve a faixa etária ampliada gradativamente ao longo dos anos e hoje atende meninas de 9 a 15 anos. Em 2017, o Ministério da Saúde incluiu os meninos de 11 a 14 anos na vacinação contra o HPV. Pessoas até 26 anos vivendo com HIV/AIDS, transplantados e pacientes oncológicos também têm direito à vacina.
Em 2014, o Ministério da Saúde incorporou a vacina da Hepatite A para crianças com um ano de vida e alterou para 15 meses depois, em 2016. Em 2011, ampliou o público-alvo da vacina contra a Hepatite B (incorporada no SUS desde 1989) para a faixa etária de 20 a 24 anos e depois, em 2016, ampliou para todas as idades. O SUS também passou a ofertar, em 2014, a vacina dTpa (difteria, tétano e coqueluche) para as gestantes, a partir da 20ª semana gestacional.
Em 2012, o Ministério da Saúde introduziu no calendário a Vacina Inativada Poliomielite (VIP) e a pentavalente (difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e meningite e infecções por HiB). A vacina meningocócica C foi incorporada, em 2010, para crianças e ampliada, em 2017, para adolescentes de 12 a 13 anos, a depender da situação vacinal e, depois, em 2018 para adolescentes de 11 a 14 anos.
Desenvolvimento de novas vacinas
Por meio de parcerias público-privadas, a Sanofi Pasteur, laboratório francês líder no segmento, transfere tecnologia para o Instituto Butantan para a produção da vacina contra gripe; e para a Fundação Oswaldo Cruz/Bio-Manguinhos, para a fabricação da vacina inativada contra a poliomielite. A multinacional também possui uma parceria de colaboração com o Butantan por meio da qual viabiliza o fornecimento da vacina contra raiva humana para o Brasil.
As vacinas produzidas pelo Instituto Butantan atendem exclusivamente ao PNI, como é o caso da vacina da dengue, que está em estudo de fase III. Essa etapa teve início em 2016 e está sendo realizada em 16 centros de pesquisa clínica distribuídos pelas cinco regiões do País. Ao todo, participarão 17 mil voluntários. Esta é a terceira e última etapa de testes clínicos antes de a vacina ser submetida à aprovação da Anvisa para que, posteriormente, possa ser disponibilizada à população pelo SUS. Desde 2016, está disponível apenas na rede privada.
Além da vacina contra dengue, o Butantan pesquisa também as vacinas contra zika, influenza sazonal quadrivalente e influenza pandêmica H7N9 com e sem adjuvante. Segundo Precioso, um dos maiores desafios é a obtenção de investimentos para manutenção e modernização do parque industrial público e para pesquisa, desenvolvimento, produção e estudo clínico de novas vacinas.
“As vacinas mais esperadas podem variar de acordo com a epidemiologia das doenças infecciosas do País. No entanto, em relação ao Brasil, as vacinas contra dengue, zika vírus e chikungunya, quando disponíveis ao PNI, trarão grande benefício para a saúde pública brasileira”, afirma o diretor do Butantan.
Aprimoração contínua
Segundo a Sanofi Pasteur, há vacinas sendo produzidas com o vírus inativado, entre elas, gripe, hepatites A e B, poliomielite injetável e raiva, que nunca irão proporcionar a reversão para a forma selvagem da doença. No caso de influenza, por exemplo, como o vírus sofre transformações continuamente, as vacinas evoluem ano após ano, acompanhando a recomendação da OMS. A vacina contra a gripe no Brasil, que já foi monovalente e bivalente, hoje é quadrivalente, protegendo, em 2018, contra duas cepas A – subtipos H1N1 e H3N2 – e duas cepas B – subtipos Victoria e Yamagata.
Recentemente, o laboratório francês lançou, no Brasil, a primeira vacina meningocócica quadrivalente totalmente líquida. Prevenível contra quatro tipos de meningite – A, C, W e Y –, o imunizante é indicado de nove meses a 55 anos e está disponível em clínicas particulares de vacinação, hospitais, laboratórios e farmácias.
Outra vacina que deve chegar ao mercado brasileiro é a que protege contra a gripe exclusivamente para idosos. Pessoas com mais de 65 anos são as que mais sofrem com as consequências da doença e o novo imunizante apresentou-se mais eficaz na proteção contra a gripe nesta faixa etária em comparação à vacina contra influenza trivalente, aprovada atualmente no Brasil.
Mais recentemente, em agosto, pesquisadores da Unicamp divulgaram a criação do protótipo de uma vacina capaz de proteger contra o vírus da zika e a meningite meningocócica.
Por Viviane Massi (Revista da Farmácia)