Folha de S. Paulo
Quase um terço dos estudos sobre câncer publicados nos principais periódicos do mundo apresentam conflitos de interesse, segundo uma pesquisa publicada nesta semana na edição on-line do "Cancer". Foram avaliados 1.534 artigos divulgados em revistas como "New England Journal of Medicine", "Jama" e "Lancet" em 2006.
Desses trabalhos, 17% eram patrocinados por indústrias farmacêuticas e 12% tinham um funcionário entre os autores – e traziam mais resultados positivos. Estima-se que no Brasil os números sejam maiores porque os estudos clínicos são bancados pela indústria.
Para Reshma Jagsi, autora da pesquisa e professora de radio-oncologia da Universidade de Michigan (EUA), declarar os conflitos não é suficiente. Ela acredita que os pesquisadores vão, consciente ou inconscientemente, enviesar as análises.
No Brasil, estudos clínicos devem ser patrocinados pelo contratante -normalmente a indústria interessada no desenvolvimento da droga, diz o pesquisador Ricardo Bretani, presidente da Fundação Antônio Prudente (mantenedora do hospital A.C. Camargo) e do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp.
Hoje, os estudos em câncer são focados no desenvolvimento de novas drogas e, por isso, é uma das áreas que apresentam estudos patrocinados.
Para o oncologista Paulo Hoff, diretor clínico do Instituto do Câncer Octavio Frias de Oliveira, os conflitos não implicam necessariamente uma pesquisa tendenciosa.
Para que os trabalhos sejam publicados em periódicos renomados, é preciso que passem pela revisão por pares -quando o estudo é avaliado por outros especialistas isentos.
Para evitar comprometimento prejudicial, os contratos de pesquisa devem contar com uma cláusula que prevê a publicação dos resultados mesmo que sejam negativos.
O pesquisador também deve deixar claro o tipo de conflito existente na pesquisa. "O conflito só é aceitável dentro de alguns limites. Receber dinheiro para pesquisa é aceitável, mas ganhar uma viagem internacional com a família, não", compara Hoff.
Para Jagsi, é preciso pressionar as instituições públicas para aumentar os fundos para estudos na área médica. "Pesquisadores teriam mais alternativas, e a pesquisa poderia ser desatada, ao menos em alguns aspectos, dos nós da indústria", disse à Folha.