Carlos Alberto Sardenberg – O Estado de S. Paulo
Que tal a seguinte questão: as pessoas sabem cuidar de suas vidas ou precisam sempre da proteção e do controle do Estado?
Antes que façam a objeção, observo: é claro que não haverá resposta absoluta do tipo "eliminem o Estado" ou "suprimam as liberdades". Mas no balanço a coisa se inclina, no Brasil, mais para uma suposta proteção do Estado, que mais parece autoritarismo.
Tanto é assim que certas questões nem aparecem no debate político. Por exemplo: o que é melhor, a gente pagar mais impostos para o governo fornecer a escola pública ou pagar menos imposto e, com mais dinheiro no bolso, escolher uma escola particular? Pagar imposto para o serviço público de saúde ou ficar com mais dinheiro para pagar o plano de saúde privado?
Reparem agora como a coisa aparece no cotidiano das pessoas. Os medicamentos se dividem em dois grandes grupos, os que precisam de prescrição médica e os que não precisam, sendo estes de venda livre nas farmácias. Livre até certo ponto, pois a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a Anvisa, tenta impor a regra pela qual os medicamentos isentos não podem ficar expostos nas gôndolas, ao alcance do consumidor. Em vez disso, deveriam ficar guardados atrás dos balcões, de tal modo que o cidadão tenha que solicitá-los ao balconista.
A Anvisa baixou resolução com essa norma, mas associações e redes de farmácia a contestam na Justiça.
Além disso, algumas assembleias legislativas estaduais aprovaram leis regulamentando o varejo nas farmácias e determinando que os medicamentos isentos podem, sim, ficar nas gôndolas, sendo adquiridos diretamente pelo consumidor. Pega e paga no caixa.
A situação, portanto, está indefinida nos tribunais e no Legislativo. Mas o Conselho Federal de Farmácia, entidade dos farmacêuticos, que apoia a resolução da Anvisa, pretende resolver a história com outra manobra. Prepara uma resolução determinando que todos os medicamentos isentos de prescrição médica só poderão ser vendidos com uma prescrição farmacêutica.
Funcionaria assim: a pessoa entra na farmácia em busca de um comprimido para dor de cabeça; é, então, atendida por um farmacêutico que fará uma ficha de atendimento e, então, prescreverá o comprimido que o cliente solicitou. Ou um outro, se julgar mais adequado. Nesse caso, se a pessoa não quiser, que procure outra farmácia e outro farmacêutico.
Haverá, portanto, uma espécie de consulta obrigatória, com o farmacêutico, para a compra de qualquer medicamento, por mais simples que seja. E isso tudo seria determinado por uma resolução do Conselho Federal de Farmácia.
A Anvisa apoia essa proposta do conselho, pois é uma maneira de contrabandear e ampliar aquela outra resolução. Pela norma da Anvisa, o consumidor precisa pedir o medicamento ao balconista. Pelo conselho, o consumidor vai precisar fazer uma ficha e obter a receita do farmacêutico, mesmo para um medicamento que ele mesmo, consumidor, escolheu e que normalmente usa.
Difícil imaginar outro meio de torrar a paciência dos consumidores. Difícil também imaginar outro meio de tumultuar e encarecer um comércio que funciona relativamente bem. O argumento da Anvisa e do conselho sustenta que as regras se destinam a evitar o uso indevido de medica