Jornal do Comércio (RS)
O governo brasileiro quer criar uma taxa sobre as remessas de lucros das multinacionais do setor farmacêutico. O dinheiro coletado seria destinado a um fundo na Organização Mundial da Saúde (OMS) para financiar um maior acesso a remédios, vacinas e novas tecnologias para países em desenvolvimento.
A proposta brasileira foi feita à OMS e estava sendo mantida em discrição no âmbito da negociação para a criação de uma nova estratégia mundial para a pesquisa no âmbito da saúde. Mas o processo acabou cercado por uma polêmica nesta semana. O jornal médico "The Lancet" revelou que membros da OMS teriam vazado um rascunho da nova estratégia para o setor farmacêutico. Nesta semana, a diretora da OMS, Margaret Chan, ordenou uma investigação para determinar se o vazamento de fato ocorreu e quem teria sido o responsável. Ela aceitou levantar inclusive a imunidade diplomática que dispõe, assim como de seus funcionários. O problema, porém, é que o rascunho da proposta apresentada não continha a ideia brasileira de alimentar o fundo mundial a partir de uma nova taxa sobre as remessas de lucros das multinacionais.
A taxa seria cobrada cada vez que filiais de empresas como a Novartis, Roche, GSK ou outras multinacionais no Brasil enviassem seus lucros a suas matrizes nos países ricos. No fundo, o debate ocorre em torno do papel das patentes e como seriam um obstáculo para garantir o acesso à saúde. Para evitar um confronto com o setor industrial ou novas quebras de patentes, a nova ideia é de que parte dos lucros obtidos pelos detentores das patentes seja revertido em investimentos públicos. Nesta semana, coube à diplomacia brasileira e ao Miniestério da Saúde protestar formalmente diante do Comitê Executivo da OMS. A queixa era de que a proposta do País foi basicamente ignorada. "Gostaríamos de ver incluída a proposta feita pelo governo brasileiro relacionada à remessa de lucros da indústria farmacêutica", diz a declaração lida pelo Brasil na reunião ocorrida em Genebra.
O governo se queixa de que a proposta da OMS é de alimentar o fundo com recursos que seriam dados pelo governo ou cobrado de consumidores na compra de passagens aéreas ou uso da Internet. Outras opções seriam taxar o sistema financeiro ou a compra de armas. Dessa forma, os lucros das empresas de medicamentos não seriam afetados. Organizações não governamentais também criticaram o rascunho da proposta.
Para a entidade Médicos Sem Fronteira, a proposta brasileira foi ignorada depois de um "forte lobby" do setor industrial. "A nova estratégia de saúde era para promover novas formas de pensar o setor. Mas o que vemos por enquanto é que as propostas que estão predominando são aquelas que favorecem as companhias que já estão envolvidas em pesquisa e desenvolvimento", afirmou Michelle Childs, representante da ONG.
Uma nova reunião foi convocada para o dia 13 de maio. Mas governos de países ricos já deixaram claro que não estão dispostos a rever suas posições. O inglês Sir George Alleyne, rejeitou a acusação de que o rascunho tenha sido dado para a indústria antes de chegar aos governos. Ele ainda rejeita a tese da influência do setor privado nas discussões.