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A nova fase da farmácia portuguesa

Passados os momentos de desinvestimento e redução de custos e já fortalecidas, farmácias buscam atitude mais centrada nos ganhos para a saúde da população.

Por Viviane Massi

entrevista_foto-joao-pedro_baixaPassados os momentos de desinvestimento e redução de custos e já fortalecidas, farmácias buscam atitude mais centrada nos ganhos para a saúde da população

As farmácias portuguesas enfrentaram momentos difíceis desde o Decreto-Lei nº 307/2006 de 30 de agosto, que promoveu diversas mudanças no setor, juntamente com um conjunto de medidas políticas aplicadas ao setor do medicamento na mesma época. No entanto, para o farmacêutico consultor, especialista em Estratégia e Gestão de Marketing Farmacêutico, João Pedro Matos, essa fase foi superada e deu lugar a outra, em que as empresas estão mais centradas nos ganhos que os serviços farmacêuticos produzem para a saúde da população. Em outubro deste ano, João Pedro estará no Brasil para duas palestras: uma no Rio e outra em Volta Redonda, quando falará sobre lucratividade associada a serviços farmacêuticos. Por e-mail, o farmacêutico concedeu esta entrevista exclusiva à Revista da Farmácia, antecipando parte do que tem a dizer aos profissionais brasileiros. Leia a seguir.

Revista da Farmácia: Dentro do sistema de saúde português, qual a importância da farmácia comunitária?

João Pedro Matos: A farmácia comunitária, em Portugal, é, desde sempre, um ponto de acesso ao medicamento e à saúde, enquanto unidade de saúde pertencente ao Serviço Nacional de Saúde (SNS), correspondente ao SUS no Brasil. De 60 a 80% dos produtos vendidos numa farmácia comunitária, em Portugal, têm o seu preço regulado pelo Estado, que intervém também nos regimes de comparticipação, subsidiando os medicamentos. A palavra de ordem para o posicionamento das farmácias perante a comunidade e a população é proximidade, com garantia de qualidade no atendimento e aconselhamento, fomentando sempre o uso racional do medicamento. Na maioria das vezes, a farmácia é o primeiro local para onde população e pacientes se deslocam, no sentido de obter aconselhamento farmacêutico e potencialmente a solução para os seus problemas.  São vários os casos em que o farmacêutico, pelo nível de conhecimento sobre os pacientes, detecta duplicação/triplicação de medicação para a mesma finalidade, sobretudo em pacientes mais idosos.  Posteriormente à industrialização e ao acesso aos medicamentos já embalados de forma generalizada, a farmácia portuguesa substitui a sua designação de farmácia de oficina para dar lugar à farmácia comunitária: um alinhamento mais veiculado ao papel do farmacêutico atualmente. Sobretudo no período pós-2007, quando o Decreto-Lei nº 307/2006 de 30 de agosto introduziu mudanças no setor, uma delas a possibilidade de farmácia pertencer a não farmacêutico, facilmente concluímos que as farmácias passaram por fortes desafios, entre eles, a compra de farmácias existentes com vista à possibilidade de mudança geográfica por preços nunca antes vistos, a entrada de medicamentos genéricos provocando queda no faturamento das farmácias, o começo da “era” dos serviços farmacêuticos e a aposta em outras categorias de produtos até então subvalorizadas, como puericultura, suplementação, fitoterápicos e produtos veterinários.

RF: O Decreto-Lei n.º 307/2006 de 30 de agosto apresenta-se como um divisor de águas para o setor em Portugal. Quais as principais mudanças introduzidas por ele?

JPM: Acredito que o ponto alto do Decreto-Lei 307 seja a liberalização da propriedade de farmácia, passando a deixar de ser exclusividade do farmacêutico, embora se mantenha a obrigatoriedade e exclusividade na existência de direção técnica de farmacêutico. Com isso, passa a existir uma dissociação entre propriedade e direção técnica nas farmácias, no entender da classe sem valor agregado para a prática farmacêutica em farmácia e para a manutenção da qualidade do serviço prestado, que passam agora pelo escrutínio de proprietário não farmacêutico e potencialmente mais interessado na lucratividade em detrimento da saúde da população e dos doentes. Passa a ser permitida a propriedade de até quatro farmácias por empresa, a venda de medicamentos à distância, a possibilidade de transferência física de farmácia e a venda de medicamentos não sujeitos à receita médica em espaços designados de parafarmácias.

RF: Atualmente, quais são as exigências regulatórias para se abrir uma nova farmácia em Portugal ou adquirir uma farmácia já existente?

JPM: A aquisição de uma farmácia já existente e detentora de alvará para o seu funcionamento rege-se pelas leis de mercado: quem quer comprar apresenta uma proposta a quem potencialmente pretenda vender. Em geral, os critérios base prendem-se com a imputação de um fator (1.0 – 1.5, entre 2007 e 2010, chegou a ser de 3 ou mais) multiplicado sobre o valor da faturamento anual. Poderá ser acrescentado algum valor referente ao estoque existente e ao ativo fixo (loja/espaço comercial), caso seja da propriedade do detentor do alvará da farmácia e ele o queira vender. Quanto a exigências regulamentares, a autoridade reguladora nacional, o Instituto Nacional da Farmácia e do Medicamento (INFARMED IP) estabelece critérios base de elegibilidade para candidatos a concurso em formato de sorteio. Tal procedimento decorre quando se pretendem contrabalançar os critérios da população no acesso a farmácias e assistência, tendo por base critérios demográficos. Existe, em Portugal, uma farmácia por cada 3,5 mil habitantes e sempre que houver um desvio nessa proporção que seja justificável, haverá lugar para concursos. Por seu lado, as farmácias deverão distar, pelo menos, 350 metros de distância entre si, em linha reta, e 150 metros de hospitais ou centros de saúde, nesse último caso, se a vila ou pequena cidade tem mais de 4 mil habitantes.

RF: Você comentou que a farmácia é um negócio que produz muito mais que lucro. O que você pensa a respeito?

JPM: A lucratividade é um fator essencial e preponderante para a sustentabilidade da farmácia enquanto empresa a curto, médio e longo prazo. Porém, não podemos esquecer que grande parte do aconselhamento e cedência de produtos na farmácia é realizada segundo os princípios de uma relação de agência: o paciente/cliente reconhece que tem uma necessidade, mas desconhece a melhor solução para o seu problema. O lucro deve ser uma consequência derivada do foco que se impõe à farmácia e aos farmacêuticos na satisfação genuína das necessidades dos pacientes/clientes e de forma proativa. A capacidade e o potencial de gerar vínculos socioemocionais, tendo em conta esse enquadramento, são incríveis, e os ganhos para a saúde do doente e da população são incomensuráveis. O lucro virá na proporção desses princípios, assim como da atitude focada numa interação e comunicação que vão além do mero atendimento ao balcão, no espaço da farmácia ou até mesmo no Facebook e outras redes sociais ou canais online.

RF: Portugal tem menos de três mil farmácias, e a maioria é propriedade de farmacêuticos. Como eles estão se saindo na gestão de seus negócios?

JPM: Em decorrência de todas as rápidas e inesperadas mudanças que se fizeram sentir nos últimos anos, as farmácias, em Portugal, passaram por momentos muito difíceis, em que o ajustamento à nova realidade foi a palavra de ordem: algumas farmácias chegaram mesmo a fechar. De uma forma ou de outra, os colegas procuraram se adaptar a essa nova realidade, fundamentando as decisões estratégicas em comprar mais barato – por intermédio de grupos de compras que foram surgindo – e em reduzir os custos.  Começa agora a surgir o momento de se pensar em agregar valor, com sinais que passam por fazer acreditar que começamos a saber distinguir custo de investimento, fazendo-se sentir, de forma generalizada, que os momentos mais difíceis já passaram e que há uma nova era de desafios pela frente, que requerem mais do que desinvestimento e redução de custos, mas uma atitude centrada, enquanto profissionais, nos ganhos para a saúde por via da participação do farmacêutico nos serviços centrados no doente, razão pela qual existimos.

RF: Os currículos da graduação dos cursos de farmácia contemplam todas as atividades que o profissional farmacêutico pode exercer?

JPM: Os currículos estão adaptados, sobretudo, para as vertentes de farmácia comunitária, análises clínicas, farmácia hospitalar e indústria farmacêutica. Um pouco mais de 10% dos farmacêuticos exerce a sua atividade em outras áreas de trabalho para além das referidas. O aumento no número de farmacêuticos como consequência da abertura de faculdades de farmácia públicas, na Covilhã e no Algarve, e privadas no Porto e em Lisboa, além das preexistentes faculdades públicas de Coimbra, Porto e Lisboa, faze com que a classe seja hoje em dia, majoritariamente, de jovens farmacêuticos, com menos de 45 anos. A transposição para Portugal de diversas diretivas comunitárias foi, na sua generalidade, decisiva para a modernização do exercício da profissão. Boas práticas de exercício e normas relacionadas à qualidade, eficácia e segurança dos medicamentos e, consequentemente, do exercício profissional tornaram-se prática comum.

RF: Eventualmente, você cita a perda de rentabilidade, o fechamento de farmácias e a aparentemente baixa atratividade do setor em Portugal. Atualmente, qual é a realidade das empresas?

JPM: A realidade atual das farmácias portuguesas é a de passarem por uma fase pós-ajustamento, que decorre do fechamento de alguns estabelecimentos. As que prevaleceram tornaram-se mais fortes por via da quota de mercado que adquiriram diretamente pelo fechamento das farmácias vizinhas. Grupos mais profissionalizados, inclusive familiares e não só, aproveitaram o contexto de crise para se fortalecerem com a compra de farmácias, aumentando presença no mercado. Observamos também, e de forma generalizada, a realização de aquisições em conjunto, em que várias farmácias se juntaram, constituindo hoje em dia grupos de compras junto aos laboratórios. O futuro dirá se é esse o caminho. Em geral, podemos afirmar que os momentos mais difíceis foram já ultrapassados e corresponderam a um processo que obrigou ou ao fechamento de algumas farmácias ou à profissionalização de um conjunto de matérias correspondentes à gestão da farmácia comunitária atual em um contexto de novos paradigmas de mercado, de saúde e da população em geral.

RF: A população reconhece a farmácia como um local de saúde? Quais serviços são ofertados?

JPM: Sim, com certeza. Um local de saúde e também de acesso a cuidados farmacêuticos, também designados serviços farmacêuticos, conceito com maior extensão e abrangência. Deles fazem parte serviços essenciais, como dispensação, aconselhamento com dispositivos terapêuticos e autovigilância, risco cardiovascular, campanhas em geral, cessação do tabagismo, troca de seringas, devolução de medicamentos não utilizados ou fora de prazo diretamente na farmácia. E serviços diferenciados: meios auxiliares de diagnóstico e terapêutica, entre eles, audiologia, cardiopneumologia, higiene oral, nutrição, optometria, podologia, terapia da fala, terapia ocupacional e análises clínicas; primeiros socorros para pequenas feridas e emergência médica; administração de medicamentos, como vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação; programas de toma assistida para medicamentos como metadona, naltrexona, buprenorfina e tuberculostáticos; cuidados farmacêuticos para doenças como asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, diabetes, hipertensão, entre outras.

RF: Nas suas atividades como consultor, você prega a prática da excelência na farmácia. O que é excelência no seu ponto de vista?

JPM: Excelência trata de ser um compromisso de profissionais e empresas de dar mais e melhor, sempre! As farmácias e seus profissionais têm um longo e entusiasmante caminho a trilhar, que deve estar suportado por uma cultura orientada para o paciente/cliente e comunidade, fundamentada no serviço enquanto valor agregado ao ato farmacêutico, mas também como unidade estratégica de negócio, em que o farmacêutico tem a oportunidade de contribuir para ganhos na saúde dos doentes e da população, reforçando também o seu poder interventivo e o da sua classe enquanto profissional de saúde.

 

RF: Como se dá a relação do farmacêutico com outros profissionais de saúde (médicos, dentistas, etc.) em Portugal?

JPM: O farmacêutico, em Portugal, tem o seu posicionamento e espaço próprios enquanto profissional de saúde pertencente ao SNS, conquistados com muito esforço, dedicação e serviço à comunidade e população, contribuindo para ganhos na saúde. Em contexto atual de mudança de paradigmas, procura-se, em Portugal, à semelhança do seguido um pouco por toda a União Europeia, centrar a atenção de todos os profissionais de saúde para os ganhos de saúde no doente. Se todos os profissionais mantiverem esse foco e uma responsabilidade assertiva quanto às suas áreas de atuação, as relações manter-se-ão, como de habitual, cordiais e afáveis. Contudo, o que é um fato quase universal, quando o foco não é necessariamente esse, surgem algumas sobreposições e situações de desagrado potencialmente geradoras de conflito. Nos últimos anos, observou-se uma reorientação da atenção dos laboratórios de medicamentos genéricos do médico para o farmacêutico. Esse fenômeno surge na sequência da aprovação da legislação que obriga a prescrição médica por Denominação Comum Internacional (DCI) ou princípio ativo. Nenhuma classe ou profissional gosta de perder o protagonismo ou a atenção a que sempre esteve acostumado.

RF: Segundo suas referências, o que realmente conta é a experiência que o paciente leva da farmácia. Se a qualidade, em sua opinião, deve ser um critério intrínseco à atividade farmacêutica no estabelecimento, o que fideliza o cliente?

JPM: A experiência é determinante para a construção de uma percepção que o paciente/cliente leva da empresa, dos funcionários, dos produtos, serviços, merchandising. O ser humano está continuamente a gerar percepções sobre tudo o que existe à sua volta, e a nossa memória sobre o passado não tem a capacidade de definir com exatidão o que sucedeu, mas apenas qual foi a percepção que tivemos. A árdua tarefa que as empresas têm pela frente, digo fidelização efetiva, sem falsas fidelizações, fundamentadas na promoção ou desconto, deve fundamentar-se nos princípios de excelência antes referidos, tendo a inovação como uma constante. No componente comercial, recomenda-se uma abordagem centrada nos princípios de uma entrevista, em substituição à mera apresentação de produtos, promoções e tentativas puramente de cross ou up selling.

RF: Qual o futuro da farmácia portuguesa?

JPM: O futuro da farmácia portuguesa já é uma realidade hoje, no presente: uma unidade de saúde prestadora de serviços ao paciente e à população. Será necessário um reforço do seu posicionamento enquanto tal, por via da sua diversificação e integração de mais e melhores serviços, consoante à evolução da sociedade e às necessidades da população. Haverá lugar ao pagamento pelos serviços inerentes à prestação do ato farmacêutico, talvez um fee, diretamente pelo SNS e à semelhança do que ocorre com os demais profissionais de saúde. Com o tempo, é possível e esperado que a rentabilidade das farmácias se fundamente nos resultados, na prática, dos serviços farmacêuticos centrados no doente, afastando-se da necessidade de venda de produtos para sua subsistência, per se.

Entrevista publicada na edição Julho/Agosto 2016 da Revista da Farmácia

 

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